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segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Palavras do chefe


Estimados Amigos,

“É melhor ter a alma dolorida de tanto buscar, do que tê-la em paz por haver renunciado a busca.”

A frase acima eu li em um pôster que havia na sala de uma delegacia nos subúrbios de Mendoza quando, após três dias de buscas, acabei encontrando uma bota usada, justamente do meu número, à venda por um tal de “Comissário Medina”. Isso aconteceu no início de 1988, exatamente há 23 anos, duas semanas antes de eu chegar ao alto do Aconcágua pela primeira vez, e eu nunca mais me esqueci, nem do nome do delegado, nem daquela frase, nem do que ela poderia representar em cada um dos futuros dias da minha vida.

Acabei de chegar ao Brasil, com minha alma dolorida, após uma das mais desafiadoras expedições da minha carreira de alpinista, mas apesar da dose de sofrimento e ansiedade que obrigatoriamente tivemos que passar, sinto um profundo sentimento de paz e realização.

Nós conseguimos o que muitos nem ousam tentar!!! Sim, nós conseguimos!!! Porque acreditamos, nos preparamos, fomos até lá enfrentar uma infinidade de obstáculos que sabíamos que poderiam surgir e superamos todos eles!!!

O Brasil passou a ser o primeiro país das Américas a ter uma equipe que escalou a abóboda (ou cúpula) do Salto Angel, foi a quarta vez na história que este paredão negativo de mil metros de altura, considerado o “big wall” mais difícil do mundo, foi superado.

O Chiquinho (José Luiz Hartmann), o Éd (Edmilson Padilha), o Sérginho (Sérgio Tartati) e o Val (Valdesir Machado), que já possuem em seus currículos escaladas como a do Fitz Roy, Cerro Torre, El Capitan e Trango Tower, foram unânimes: “foi a escalada mais difícil de nossas vidas”.

Foram 17 dias de escalada, 4 dias para equipar os primeiros 370 metros da parede, e outros 13 dias literalmente pendurados no vazio para se chegar no alto do Auyantepuy, de onde se precipitam as águas do “Kerepacupai Vena” ou Salto Angel, a queda d’água mais alta do mundo.

Foram montados três acampamentos suspensos, o primeiro a 1.350m de altitude (a 370 metros da base da parede), o segundo a 1.520m (540m da base) e o terceiro a 1.650m (670m da base). A base da parede está a cerca de 980m de altitude, as águas da cachoeira se precipitam ainda por cerca de cem metros abaixo, à direita da base. O topo do paredão, local onde finalizamos a nossa escalada, se encontra a 1.880m de altitude.

Para a escalada e nossa sobrevivência na parede, levamos cerca de 500Kg (220 litros de água, 1.180 metros de cordas Edelweiss, comida para 6 pessoas para 15 dias, 2 porta ledges duplos, 3 fogareiros, 15 cartuchos de gás, 3 jogos completos de camalots (do 0.5 ao 7), 3 jogos completos de stoppers, 150 mosquetões, pítons variados, ganchos, cliffs, etc).

A escalada do Salto Angel foi feita tendo como referência os croquis das expedições anteriores (espanhola, de 1990, inglesa, de 2005, e francesa, de 2006), seguiu-se o sistema ou linha lógica que se desenvolve do lado esquerdo da cachoeira, com algumas variantes em relação às ascensões anteriores, a maior delas, que chamamos “variante brasileira” deu-se após nosso acampamento 3 da parede (chamado de acampamento 5 pelas outras expedições), quando fizemos uma travessia horizontal à direita (35m) e depois continuamos por um lindíssimo diedro, que apelidamos de “Diedro Brasileiro”, com um belo esticão de 55m, que evitou dois esticões considerados pelo francês Arnaud Petit (campeão mundial de escalada) em “7b+ hyper expo” e “7b très expo” (8c e 8b na escala brasileira). A escalada foi realizada em livre em lances de até 8a e lances em artificial em até A4, segundo o grau de dificuldade adotado no Brasil.

Na parede, tivemos a simpática e agradável companhia do Yupi (Alfredo Rangel), escalador venezuelano com muita experiência em escalada nos Tepuyes e quem nos deu inúmeras dicas de como progredir na delicada rocha do Salto Angel. Graças ao Yupi comemos super bem em toda a escalada, ele era responsável em preparar as nossas refeições.

O grande problema que enfrentamos diariamente foi a rocha decomposta e afiada, era extremamente difícil contar com proteções confiáveis, tudo estava meio solto. Eram frequentes lances expostos, com possibilidade real de queda e proteção duvidosa ou impossível. Nos trechos mais difíceis nossa progressão diária não passava de dois esticões de 25 ou 30 metros cada. No penúltimo dia, progredimos apenas 30 metros em um A4 aterrorizante, que contava no croqui de Arnaud Petiti como um 7b+ obrigatório (8c na escala brasileira).

Todo o esforço era recompensado pelo cenário do local, o fantástico véu do Salto Angel ao nosso lado, de dia ornado com múltiplos arco-íris, de noite flutuando na escuridão iluminado pelas estrelas e mais tarde pela lua cheia. A densa floresta lá embaixo e o visual de outros tepuyes davam ainda mais encantamento a todo aquele ambiente.

O segredo do sucesso foi muito planejamento, uma equipe experiente e unida, não houve qualquer tipo de desentendimento durante a escalada, uma sinergia positiva fluiu o tempo todo.

Ficamos muito apreensivos quando nosso amigo Orlei Jr, que ficou na base nos filmando e fotografando, nos chamou pelo rádio dizendo que fora convocado pelos guarda-parques para comparecer a Canaima (sede do Parque Nacional) onde deveríamos nos apresentar assim que fosse possível. Pelo rádio, eu disse ao guarda-parque que seria impossível descer (devido à negatividade da parede) e que precisaríamos de pelo menos cinco dias para terminar a escalada. Ele disse que tudo bem, mas que depois nos apresentássemos em Canaima, o que fizemos, mas apenas doze dias depois.

Por conta desta defasagem, nos preparamos para praticar com boa vontade, uma política de ótima vizinhança com as autoridades venezuelanas. Em Canaima, de livre e espontânea vontade, primeiro nos apresentamos à Guarda Nacional (Exército) e depois na sede do Inparques (Instituto Nacional de Parques). Todos ficaram surpresos e contentes com a nossa iniciativa, nos trataram super bem, ao telefone falamos com a Diretora do Inparques que nos tratou com o maior respeito nos chamando de “hermanos brasileiros”, pedindo que déssemos uma declaração de como havia sido toda a expedição, de que isso se tratava de “providências administrativas”. Tudo aconteceu na maior normalidade, afinal, respeitamos as normas e regras do Parque, o que é sempre muito imprtante.

Voltamos para Caracas ansiosos e tratamos de entrar logo no primeiro avião que partiu para o Brasil, onde chegamos neste final de semana, depois de alguns dias sem dormir, ainda com aquela sensação estranha de poder caminhar novamente em um terreno plano, de dormir sem ter que estar amarrado a uma corda.

Aos poucos vamos recobrando os quilos perdidos, os arranhões vão desaparecendo, e toda a agitação que fomos submetidos vai sendo substituída por uma sensação de conforto em nossa alma, nos dando a certeza que tudo valeu a pena!

Fecho os olhos, mas ainda vejo os arco-íris, ainda escuto o murmuro da cachoeira, ainda sinto o perfume das heliânforas!

Agradeço a Deus pela minha alma dolorida, pela paz profunda, por me dar a coragem necessária para seguir os meus próprios sonhos!

Que nunca falte coragem para você também buscar e realizar os seus sonhos!

Um forte abraço,

Waldemar Niclevicz

2 comentários:

Orley Antunes disse...

dai xara kkkk orleyantunes.blogspot.com visite

Orley Antunes disse...

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